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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Arquiteto da Palavra, Engenheiro da Poesia: João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto
(Recife, 9 de janeiro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999)

Atuou por mais de quarenta anos na carreira diplomática, na qual ingressou aos 25 anos. Trabalhou em diversos países, o que lhe permitiu entrar em contato com diferentes culturas. A cultura espanhola, a qual conheceu a fundo quando viveu em Barcelona e Sevilha, marcou bastante sua poesia. Passou a ocupar cadeira da Academia Brasileira de Letras em 1968.
João Cabral inaugurou, em nossa literatura, um novo modo de fazer poético. A essência de sua poesia está em procurar desvendar os elementos concretos da realidade, que se apresentam como um desafio para a inteligência do poeta. Guiado pela lógica e pelo raciocínio, seus poemas fogem à concepção de uma poesia sentimentalista e de exposição do eu. Seus textos voltam-se para o universo dos objetos, das paisagens, dos fatos sociais, sendo, muitas vezes, metalinguística. O prazer estético provocado pela leitura de João Cabral, portanto, está relacionado à leitura analítica e não ao envolvimento emocional com o texto.
A obra de João Cabral, então, é vista como uma "ruptura com o lirismo" e seu fazer poético como "antilírico". Apesar disso, sua literatura não é de um descritivismo parnasiano, suas descrições, por muitas vezes, adquirem um valor simbólico,por outras, denunciam e criticam a sociedade.
Pedra do sono, primeiro livro do autor, tem elementos surrealistas. Neste livro, o poeta pretendeu "compor um buquê de imagens em cada poema,- as imagens revelam matéria surrealista no sentido de oníricas, subconscientes...". O sono e o sonho aparecem frequentemente nessa obra.
O engenheiro, apesar de ainda apresentar alguns poemas de caráter surrealista, já apresenta os alicerces de sua nova concepção poética, do poema como esforço do raciocínio frente a realidade concreta. Em Psicologia da composição, amadurece a concepção poética que começava a se delinear na obra anterior.
Os livros seguintes - O cão sem plumas, O rio e Morte e vida severina - traz poemas voltados à realidade social, com análise geográfica, humana e social do Nordeste. Morte e vida severina, sua obra mais conhecida, é um poema narrativo subintitulado auto de Natal pernambucano, que trata da caminhada de um retirante - Severino - do sertão até a zona litorânea, em busca de condições para sobreviver à seca. A semelhança com um auto natalino ocorre no final, quando, ao presenciar o nascimento de uma criança, o retirante renuncia à intenção de matar-se.
Suas obras principais são:
Pedra do sono (1942);
O engenheiro (1945);
Psicologia da composição (1947);
O cão sem plumas (1950);
Morte e vida severina (1956);
Paisagem com figuras (1956),
Uma faca só lâmina (1956);
A educação pela pedra (1966);
Museu de tudo (1975);
Auto do frade (1984);
Agrestes (1985);
Crime na Calle Relator (1987).

O luto no Sertão

Pelo sertão não se tem como
não se viver sempre enlutado;
lá o luto não é de vestir,
é de nascer com, luto nato.

Sobe de dentro, tinge a pele
de um fosco fulo: é quase raça;
luto levado toda a vida
e que a vida empoeira e desgasta.

E mesmo o urubu que ali exerce,
negro tão puro noutras praças,
quando no sertão usa a batina
negra-fouveiro, pardavasca.



Catar Feijão
Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um, risco
o de que entre os grão pesados entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,

açula a atenção, isca-a com risco.



"...E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."
(Morte e Vida Severina)

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