(Borges e Beppo, o gato ao qual o autor dedicou tantos poemas.)
“Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção”
(Jorge Luís Borges)
A cada palavra de Borges o que toca, o que encanta é a simplicidade do verso, a precisão das palavras inesperadas, essa habilidade mágica de dizer coisas simples com a sabedoria de quem compreende a essência do universo, com a habilidade de quem veio ao mundo para ir além... além da lógica, das palavras, da síntese... além do aquém da transcendência. A frase exata denuncia o esforço da comunicação desejada até a última gota, como transparência e elucidação.
Há grandes autores cujo entendimento é possível apenas após um esforço massacrante, que asfixia o leitor, embora na sua forma poética haja sublimação e arrebatamento; outros há que conseguem aliar à competência estilística uma capacidade de comunicação impressionante, que não se esgota, que se abre sempre para significados precisos e múltiplos.
Jorge Luís Borges é desses autores capazes de comunicar com maestria, que falam de maneira inequívoca às mentes e aos sentimentos. Apesar de cego, era iluminado, luminoso...
Aos oito anos, Borges iniciou sua carreira de escritor... escreveu seu primeiro conto: La visera fatal. Oitenta anos depois, ainda que cego e velho, prosseguia ditando palavras. A princípio ditava para a mãe, Leonor; depois para a ex-aluna, secretária, amiga e finalmente esposa, Maria Kodama. Publicou livros que ditou por completo. Por aquelas injustiças da vida, nunca levou o Nobel...
Aos nove anos traduziu O Príncipe Feliz, de Oscar Wilde, publicado no jornal El País, de Buenos Aires. Foi muito precoce, antes de falar espanhol, sua avó paterna lhe ensinara a falar inglês. Era fascinado pela língua inglesa, junto com a esposa estudou o inglês antigo. Dizia não ter lido muito; assim como afirmava ter escrito apenas alguns livros, somente. Falava que se nascesse séculos mais cedo jamais seria lido... Para ele, autores mesmo eram Dante, Shakespeare, Virgílio...
Participou do movimento vanguardista da literatura espanhola, o ultraísmo. Retornando à Argentina, Borges filiou-se ao movimento modernista. Escreveu uma série de ensaios, contos e poesias, mas só em 1928 a crítica reconheceu o talento do tigre argentino. Sua obra refletia a erudição conquistada desde a infância, sob a influência da mãe Leonor, da avó paterna e do pai advogado e professor.
“Não, não tenho nenhuma sabedoria”, corrigia quando lhe comentavam ser o último sábio sobre a Terra: “Li e reli quase sempre os mesmos livros”. Falava com segurança e ironia. Fora, sim, um sábio!
Na década de cinquenta a cegueira avançava, até lhe turvar plenamente a visão. Precisou reaprender coisas simples, e o fez. Sua mãe, Leonor passou a ler para ele e escrever aquilo que ele ditava.
Afirmava ter convicção de que seu destino era ser escritor, mas que não esperava reconhecimento: “No fundo, queria ser um escritor obscuro, quase imperceptível”. Uma questão bastante paradoxal para quem tanto desejou o Prêmio Nobel...
Ateu convicto e sempre reafirmando seu ateísmo, admirava o pai, também ateu. Acreditava que a verdadeira felicidade só viria através do trabalho.
“Passo boa parte do meu tempo só, conheço poucas pessoas. Então fico planejando poemas, narrações, para ditá-los a Kodama no dia seguinte ou à noite, ou a qualquer hora”. A solidão era sua principal companheira, espécie de cúmplice perfeita de seus devaneios e fantasias criadoras.
O reconhecimento veio após a publicação do livro de contos História Universal da Infância. O fantástico despontaria em sua obra apenas tempos mais tarde, a partir de Ficções e alcançando o ápice em O Aleph.
Em 1967, casou-se com uma amiga de infância, mas o casamento durou pouco tempo.
Em 1975, morre sua mãe. Com a ajuda dos amigos conseguiu ainda publicar alguns livros. Sentia muito a ausência da mãe e acreditava que fora ela quem promovera sua carreira literária, de forma quieta e paciente. Em 1981, Kodama tornou-se sua secretária ,e em 1986, casaram-se, pouco antes de sua morte devido ao câncer de fígado.Sendo muitas vezes visto como intelectual de direita, ele reagia: “Não conheço nenhum político, não sou filiado a nenhum partido, sou teoricamente anarquista – o máximo de governo - mas isso é quase impossível”.
(Maria Kodama lendo para Borges)
Poucos meses antes da morte do marido, Kodama, em entrevista em madri, falou das viagens que o casal vinha fazendo pelo mundo. Segundo a esposa, Borges parecia estar melhor do que nunca, divertindo-se com entusiasmo em cada ponto por que passavam. Passou o fim de sua vida sem dar importância à cegueira ou à velhice...
Em 14 de junho de 1986, Borges deixa a vida, mas seus textos ficariam eternizados na História da Literatura Universal...
“Aqui sob os epitáfios e as cruzes não há quase nada. Aqui não estarei eu. Estarão meu cabelo e minhas unhas, que não saberão que o resto morreu, e seguirão crescendo e serão pó.”
(Jorge Luís Borges)
Nos labirintos de sua imaginação, imagens tão recorrentes em sua obra, caminham nossas leituras e nossas interpretações desse mundo metafórico e alegórico que seu olhar incisivo, apurado e atento nos desvela... Em sua cegueira foi possível que enxergasse com a sensibilidade de um gênio das ideias e das palavras.
Escritor atemporal, Borges mistura múltiplas facetas fantásticas a dimensões filosóficas... cria-se então um universo tão sedutor que jamais poderíamos deixar de adentrar, passeando por um espaço cheio de idas e vindas... labirinto de emoções... e por um tempo sem tempo... eternidade e infinito...
O labirinto
Este é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos naquela manhã e continuamos perdidos no tempo, esse outro labirinto.
(Jorge Luis Borges)
1 comentários:
Muito fofof seu blog meus parabénsss
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