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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Julio Cortázar, entre fragmentos, labirintos e ruínas...

Julio Cortázar

Julio Cortázar, escritor e intelectual argentino, é considerado um dos autores mais inovadores e originais do seu tempo. Mestre no conto e na narrativa curta, a sua obra é apenas comparável a nomes como os de Edgar Allan Poe, Tchékhov ou Jorge Luis Borges. Deixou romances que inauguraram uma nova forma de fazer literatura na América Latina, rompendo com o modelo clássico mediante uma narrativa que escapa à linearidade temporal e em que os personagens adquirem uma autonomia e uma profundidade psicológica raramente vistas.
Filho de pai diplomata, Cortázar nasceu em Bruxelas, em 1914. Com quatro anos de idade foi para a Argentina, onde, devido à separação dos seus pais, foi educado pela mãe, uma tia e uma avó. Incentivado pela mãe, que lhe selecionava o que devia ler, desde muito cedo se interessa por literatura, ao ponto de na sua juventude um médico o aconselhar a ler menos e a sair de casa para apanhar sol por pelo menos alguns meses. Com o título de professor normal em Letras, inicia os seus estudos na Faculdade de Filosofia e Letras, que abandonou logo em seguida por problemas financeiros.
Por não concordar com a ditadura vigente no seu país, mudou-se para Paris, em 1951. Quatro anos antes, por intermédio de Jorge Luis Borges, já tinha publicado o conto "Casa Tomada", o primeiro do livro Bestiário, na revista Anales, de Buenos Aires. Em Paris casa-se com Aurora Bernadéz e os dois vivem em condições econômicas penosas. Será esta experiência que inspirará parcialmente O jogo da Amarelinha, que concluirá anos mais tarde. É ainda durante os anos de Paris que aceita o trabalho de traduzir toda a obra em prosa de Edgar Allan Poe, ainda hoje considerada como a melhor tradução em espanhol desse autor.
Morre em Paris, de leucemia, em 1984.
É fato consumado nos contos de Julio Cortázar o estilo provocador empregado. Por mais que existam invenções linguistícas e o famoso estilo fantástico, seus contos instigam o leitor a tentar desvendar múltiplos significados. Não somente os existenciais, mas algo para além da palavra, devemos lembrar que o escritor não deixa dúvidas sobre suas intenções e histórias e, contudo, ainda fomenta diversas questões de como o leitor deve encarar a solidão, a saudade, as perdas e a vida em diversos momentos de seus textos.
As surpresas de cada história e suas conectividades criam jogos de ansiedade capazes de mover o leitor no conjunto de sua obra e na individualidade de cada texto. Em sua obra, o imaginário se choca com o realismo dos sentimentos. Personagens e enredos concretos ou imaginários, poéticos ou reais... tal é a obra de Crotázar! Em suas narrativas o irreal, ou fantástico, habita na transformação do abstrato em concreto através dos anseios de cada personagem. Desnudam-se em seus textos vários ângulos de uma mesma situação.
Cortázar entrega aos leitores desafios à mente e à leitura em meio a imagens e labirintos, cria-se um pequeno universo que existe em cada um de seus personagens, exploradores do infinito que é ser humano.



Teoria do caranguejo
(Julio Cortázar)

Tinham construído a casa no limite da selva, orientada para o sul evitando assim que a umidade dos ventos de março se somasse ao calor que a sombra das árvores atenuava um pouco.
Quando Winnie chegava
Deixou o parágrafo no meio, empurrou a máquina de escrever e acendeu o cachimbo. Winnie. O problema, como sempre, era Winnie. Quando tratava dela a fluidez se coagulava numa espécie de
Suspirando, apagou "numa espécie de", porque detestava as facilidades do idioma, e pensou que não poderia continuar trabalhando até depois do jantar; as crianças logo iam chegar da escola e ele teria que preparar o banho, fazer a comida e ajudá-las nos seus
Por que no meio de uma enumeração tão simples havia como um buraco, uma impossibilidade de continuar? Era incompreensível, pois tinha passagens muito mais árduas que se construíam sem nenhum esforço, como se de algum modo já estivessem prontas para incidir na linguagem. Obviamente, nesses casos o melhor era
Largando o lápis, pensou que tudo se tornava abstrato demais; os obviamente os nesses casos, a velha tendência a fugir de situações definidas. Tinha a impressão de estar se afastando cada vez mais das fontes, de organizar quebra-cabeças de palavras que por sua vez
Fechou abruptamente o caderno e saiu para a varanda.
Impossível deixar essa palavra, "varanda".


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