Os contos de fadas são de substantiva importância em nossa cultura. São fatores de consolidação e socialização do universo interior, que desvelam dramas, angústias e tensões comuns à nossa psiquê. Remontam ao período medieval, quando seu objetivo era assustar as crianças, como forma de protegê-las dos perigos da época.
Com a chegada do Romantismo, esses contos tomaram nova roupagem. Assumiram um cunho didático. Serviam para educar as crianças através de seu conteúdo lúdico.
Através dos contos de fadas se leva ao indivíduo um ensinamento significativo, pois meche com as fantasias e os encantos de uma realidade diferente daquela do mundo circundante. O conto de fadas fala de um mundo mais real, fala de um mundo interior, cujo tempo e espaço não precisam ser delineados, pois são constantemente o AQUI e o AGORA.
Em A Psicanálise dos Contos de Fadas, Bruno Bettelheim expõe o mundo belo, cheio de amor e encantamentos, assim como de crueldades e selvagerias, dos contos de fadas. Os contos de fadas, portanto, representam um enfrentamento, seja com os temores seja com os desejos. É por eles, temores ou desejos, que tecemos os significados que lhes atribuímos.
Nosso prazer é o que nos induz a reagir segundo o tempo que estamos vivendo aos significados ocultos, na medida em que podem-se relacionar à nossa experiência de vida e atual estado de desenvolvimento pessoal. (Bettelheim, p. 54.)
Assim, os contos de fada compreendem uma instância permanente do desenvolvimento humano, pois fala a todos, em todos os tempos e estados.
Seus temas são de uma dualidade latente, pois são marcados de alegria e sofrimento, de inocência e crueldade, de ingenuidade e desejo, de vilania e virtude. Tratam-se de lições universais, presentes no ontem e no amanhã; apresentam um conteúdo moral e civilizatório.
E sua fórmula padrão, que transita entre o "Era uma vez" e o "Felizes para sempre", se tem uma felicidade ilusória, como ilusório é seu final. Com o final da história, o início do aprendizado se dá. E a felicidade ilude as angústias e os temores que a história desvela.
Os finais felizes dos contos de fadas são apenas o começo da história maior, e qualquer estudo que tente dar conta de sua totalidade irá tropeçar e cair antes que qualquer tipo de final possa ser alcançado. A história da narração de histórias é um conto que nunca será concluído. Como sugere uma tradicional fórmula de encerramento, a história é tecida pelos dois lados: "Contei minha história e agora deixo-a em suas mãos". (Warner, p. 24.)
Perrault, Andersen, Grimm, entre tantos outros, recontaram as mesmas histórias que continuam a ser recontadas e atualizadas constantemente. Dentre essas histórias pode-se destacar "Chapeuzinho Vermelho" e suas múltiplas versões. "Chapinha Vermelha", para Perrault. "Fita Verde no Cabelo", para Guimarães Rosa. "A Verdadeira História de Chapeuzinho Veemelho", para Master Key. Esta última, bastante polêmica e atual, em ritmo de hip-hop, expressão das ruas e da periferia:
Chapeuzinha viciada desde os 12, prostituta aos 14,
tudo o que ela sabe é se chapar.
Na cestinha não tinha nenhum doce, só baseado que a
Vovozinha mandou entregar.
Vovozinha assasina, traficante, ex-presidiária, a
figura mais temida do lugar!
Lobo Mau era um cara camarada, topava qualquer parada
e era policial militar.
[refrão]
Lobo Mau... um cara tão legal...
Era policial... o cara se deu mal...
Aquele dia o bosque estava tão tranqüilo e o lobo não
imaginava o que estava a lhe esperar...
Vovozinha preparou uma cilada e Chapeuzinho na jogada
para o pobre Lobo "apagar."
Tudo pronto no lugar que foi marcado, não podia dar
errado, o Lobo sempre faz a ronda lá.
Chapeuzinho já estava bem "cheirada" e, sem mais
demora começou o "38ªº" a carregar.
[refrão]
Lobo Mau estava só fazendo seu trabalho, mas foi um
otário ao adentrar naquele lugar...
Chapeuzinho já estava preparada, com a arma
engatilhada, e começou logo a atirar!
Lobo Mau não pôde sequer reagir, pensou até em fugir,
mas era muito tarde pra ele escapar...
Pobrezinho quis bancar o forte, mas sangrou até a
morte e deixou 7 lobinhos pra criar!
Lobo Mau... um cara tão legal...
Era policial... o cara se deu mal...
Lobo Mau... nem chegou ao hospital...
O cara é um animal... morreu logo no local...
Que melhor forma de educar senão pela experiência? Pelo conhecimento experimentado?
Os conteúdos didáticos dos contos de fadas estão presentes na composição de Marcelo Feijó Magalhães e Sérgio Mariano Silva, em que a história, já fixada em nosso imaginário popular, traz ao debate temas do presente.
A violência e a crueldade do universo das fadas habitam o mundo real, desnudando a realidade que se vê diariamente nos noticiários. Uma realidade desagradável, mas que necessita ser discutida, pois fechar os olhos aos problemas não é educar, não é um meio de salvar o mundo.
Como nos contos de fadas tradicionais, aqui se observam profundidade e clareza excepicionais, posto que ligam realidade e fantasia, o mundo concreto ao universo imaginário. Observa-se, então, um novo potencial analítico do real, mostrando a realidade como um espelho da experiência humana, mergulhada numa trama de problemas e possibilidades.
1 comentários:
A vida é um grande conto de fadas, mas as vezes esquecemos disso e acabamos tentando a transformar em dramas e tragédias.
gostei da analise do conto.
beijo.
Postar um comentário